O sistema nervoso da criança com Síndrome de Down (SD) apresenta anormalidades estruturais e funcionais. Os estudos de Lúria e Tskvetkova (1964), mais antigos, concluíram existir uma lesão difusa, acompanhada de um funcionamento eléctrico peculiar no desenvolvimento cognitivo da Síndrome de Down acarretando em um rebaixamento nas habilidades de análise, síntese e a fala comprometida. Salienta, ainda, dificuldades em seleccionar e direccionar um estímulo pela fadiga das conexões. Essas anomalias resultam em disfunções neurológicas, variando quanto à manifestação e intensidade.
De acordo com Flórez e Troncoso (1997), todos os neurónios formados são afectados na maneira como se organizam em diversas áreas do sistema nervoso e não só há alterações na estrutura formada pelas redes neuronais, mas também nos processos funcionais da comunicação de um com o outro. Os autores destacam, de maneira particular, a influência que essas alterações podem exercer sobre o desenvolvimento inicial nos circuitos cerebrais, afectando a instalação e as consolidações das conexões de redes nervosas necessárias para estabelecer os mecanismos da atenção, memória, a capacidade de correlação e análise, o pensamento abstracto, entre outros. Ainda, para os mesmos autores, o cérebro da pessoa com SD, em seu conjunto, tem um volume menor que o das pessoas normais. A criança nasce frequentemente com hipoplasia nos lóbulos frontais e occipitais, redução no lóbulo temporal em até 50% dos casos, que pode ser unilateral ou bilateral. Em alguns cérebros, observa-se diminuição do corpo caloso, da comissura anterior e do hipocampo.
Na SD existe uma limitação na transmissão e comunicação em muitos dos sistemas neuronais. São conhecidas cada vez mais as deficiências das ramificações dendríticas, da precoce redução dos neurónios responsáveis pela conduta associativa e pela comunicação nas áreas cerebrais umas com as outras (TRONCOSO; CERRO, 1999). A criança com a Síndrome pode ter dificuldades para fixar o olhar devido à lentidão e seu baixo tono muscular, necessitando do meio para desenvolver a capacidade de atenção.
A atenção auditiva parece melhor nas primeiras fases da vida na criança com SD. A dificuldade de percepção e distinção auditiva pode levar a criança a não escutar e a não atender auditivamente e preferir uma acção manipulativa segundo seus interesses. Os problemas de memória auditiva sequencial de algum modo bloqueiam e dificultam a permanência da atenção durante o tempo necessário, o que demonstra sua dificuldade para manter uma informação sequencial. O próprio cansaço orgânico e os problemas de comunicação sináptica cerebral impedem a chegada da informação, interpretado como falta ou perda de atenção (TRONCOSO; CERRO, 1999).
Isso pode ser verificado em Bissoto (2005), quando cita Buckley e Bird (1994), pois esses autores falam das dificuldades relevantes no tocante ao desenvolvimento cognitivo e linguístico, como, por exemplo, o atraso no desenvolvimento da linguagem, as dificuldades em reconhecer regras gramaticais e sintácticas da língua e também dificuldades na produção da fala com um desemparelhamento entre a velocidade com que se compreende e o ato de falar propriamente dito. Tais dificuldades de linguagem podem comprometer outras habilidades cognitivas.
Grela (2003) pesquisa aspectos específicos da linguagem, procurando saber se pessoas com SD podem adquirir estruturas argumentativas. Os estudos demonstram que as estruturas argumentativas adquiridas e usadas por adultos com SD correspondem a pessoas de menor idade, confirmando as pesquisas anteriores. Cusin et al. (2005) destacam que as características peculiares da SD conjuntamente com traços pessoais e desempenhos individuais implicam numa variedade de desempenhos linguísticos. As autoras dizem que "no que tange esta variabilidade, e atraso do desenvolvimento das funções comunicativas para todas as crianças, o desenvolvimento linguístico esteve atrasado e houve discrepância entre a capacidade receptiva e expressiva" (p. 93).
Para Flórez e Troncoso (1997), a memória, a longo prazo, de forma não declarativa, na qual se aprendem técnicas e adquirem-se habilidades, não requer a acção do hipocampo, que também apresenta limitações. Assim, a criança com SD, que possui dificuldades com pensamentos abstractos, pode adquirir habilidades suficientes para aprender a realizar um bom trabalho manual.
De acordo com Escamilla (1998), a memória na criança com SD pode acompanhar a seguinte classificação: sensorial – reconhece imagens correspondentes a cada um dos sentidos (ex.: uma pessoa com memória visual, recorda o que vê); mecânica – repetição de uma sequência de imagens sem correlação; e a memória lógica intelectual – que intervém na capacidade de armazenar e reproduzir os conhecimentos adquiridos anteriormente e implica na compreensão dos significados das coisas e sua relação mútua. A memória desempenha um papel importante no desenvolvimento da inteligência e da aprendizagem do ser humano. Dificilmente a criança com a SD esquece o que aprende bem. Para o mesmo autor, a memória visual desenvolve-se mais rápido que a auditiva devido à maior quantidade de estímulos, adquire uma boa memória sensorial, possibilitando reconhecer e buscar os estímulos. Uma aprendizagem progressiva facilita o desenvolvimento da memória sequencial, tanto auditiva como visual, táctil e cinestésica.
O córtex pré-frontal normal tem capacidade para receber informações múltiplas de todo tipo, externa e interna (sensorial, afectiva), processá-la e organizá-la e oferecer uma resposta categorizada e orientada. Esta resposta pode ter uma expressão motora, a linguagem, ou pode permanecer simplesmente como pensamento ou desejo. Para atingir tal objectivo, deve saber seleccionar e ordenar os actos individualmente em função do que o organismo quer executar. Sintetizando, o córtex frontal é essencial para que se possa estruturar o pensamento abstracto e organizar as condutas, independentes do tempo e espaço, programadas em função de objectivos futuros. Uma lesão nesta área, dependendo de sua extensão e localização, ocasiona uma diminuição na capacidade de reconhecimento, de concentração, tendência à distracção, dificuldade em manter o olhar. Além disso, existe a possibilidade de que lesões nessa área também possam promover alterações do comportamento social, como, por exemplo, a demonstração de impulsos sexuais em situações inapropriadas (GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005). Moeller (2006) evidencia que uma característica marcante na SD é o processamento mais lento, pois "quase todas as suas reacções demoram mais que o normal, o que deve ser levado em conta quando trabalhamos ou vivemos com elas" (p. 29).
A função do cerebelo é ajustar os movimentos corporais, integrando as informações proprioceptivas e as sensações sinestésicas para realizar os movimentos voluntários. Influi sobre o modo como devem desenvolver os grupos musculares distintos, contribui para manter o equilíbrio e ajuda a relacionar os padrões de movimentos. Contudo, recentes pesquisas, como as de Highstein e Thactch (2002), sugerem que o cerebelo possa estar envolvido com a memória de trabalho, atenção, organização temporal, além do controle de atos impulsivos. Esses estudos têm destacado que pessoas com alterações cerebelares tornam-se mais lentas e simplificam seus movimentos, como estratégia para compensar a falta de dados sensoriais de alta qualidade.
Flórez e Troncoso (1997) descrevem que as alterações no cerebelo são as mais constantes e significativas na SD. Os autores consideram que o cerebelo na SD é menor e que se mantém hipoplástico ao longo da vida. Do ponto de vista motor, observa-se, com frequência, uma perda de iniciativa e espontaneidade. Na SD não há dificuldade em executar actividades antigas com um conhecimento rotineiro, mesmo sendo longas, mas o problema surge quando tem que se construir uma conduta nova, que exija organização programada, uma nova sequência de actos.
Observa-se no mesencéfalo de crianças prematuras a diminuição de um tipo de receptor (muscarínico), que explica as dificuldades nos primeiros meses para despertar a atenção, o que também é comum nas crianças com SD, comprometendo o desenvolvimento futuro. A hipotonia muscular, a dificuldade para dirigir o olhar por estímulos, a pouca resposta motora, a falta de iniciativa de busca são factores que possivelmente derivam da menor participação dos sistemas neuronais associados ao mesencéfalo. Tais sistemas neuronais participam da resposta de vigília e atenção mediante orientação viso-espacial, ao mesmo tempo em que alerta o córtex sobre a chegada de uma nova informação, segundo os mesmos autores supracitados.
Estudos realizados na Alemanha são descritos por Moeller (2006), que incluem o resultado de testes de noções espaciais feitos com crianças com SD de 11 anos, com habilidades linguísticas no nível das de 4 anos. O desempenho nas noções espaciais ficou próximo à idade de 11 anos, no entanto, mostrou defasagem na noção temporal.
Zoia et al. (2004) investigam as diferentes habilidades de ação utilizadas por pessoas com deficiência mental e concluem que, dentre as pessoas com deficiência mental, as com SD, de forma geral, apresentam mais habilidades que as demais (com quadro de deficiência mental, mas sem SD) para executar atividades que já sejam de seu repertório.
As pesquisas de Berger e Sweeney (2003) procuraram verificar a influência dos neurónios colinérgicos nos processos cognitivos. A acetilcolina é uma molécula simples, sintetizada a partir de colina e acetil-CoA, por meio da ação da colina acetiltransferase. Os neurónios que sintetizam e liberam acetilcolina são chamados neurónios colinérgicos. Quando um potencial de acção alcança o botão terminal de um neurónio pré-sináptico, um canal de cálcio controlado pela voltagem é aberto. Os resultados dessa pesquisa mostram que o mau funcionamento no sistema de neurónios colinérgicos pode ser responsável pelas dificuldades cognitivas na SD, ocasionando uma significativa redução do funcionamento intelectual e limitações significativas no comportamento adaptativo. As conclusões evidenciam que alterações na maturação neuronal é uma das causas da DM. Se compararmos os resultados dessa pesquisa com os autores que citamos anteriormente (LÚRIA; TSKVETKOVA, 1964; FLÓREZ; TRONCOSO, 1997, ESCAMILLA; 1998), podemos ver que os dados corroboram com as colocações anteriores.
Lejeune (1990) já havia levantado a hipótese de que a base química da deficiência mental na Síndrome de Down pode estar na desorganização de um sistema que mantém o equilíbrio da função mental, envolvendo a síntese de mediadores químicos; a manutenção do DNA e RNA e os mediadores dessa organização. Esse sistema pode ser modificado na interacção com o meio ambiente, o que pode levar a processos de superação e adaptação.
in: Scielo
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